Coreio Braziliense|Lorrane Melo
19/06/2014
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Jone Tomas de Araújo mostra uma das “malocas” resistentes: apesar do lixo, eletricidade e água encanada |
Salvador — “Eram 18 pessoas, sobraram quatro”, calcula Jone Tomas de Araújo Cerqueira, “mas pode me chamar de Severino faz tudo”, contando que já foi mecânico, eletricista, borracheiro, entregador e o que pedirem. Mas o que ele gostava mesmo era de cuidar da horta cultivada ali, entre pneus e lixo. “Aquela ali é a benzetacil”, aponta para a planta baixa e arroxeada, uma das poucas que sobraram da última visita noturna feita por um grupo descaracterizado ao Viaduto de Jesus, a pouco mais de 5km da Arena Fonte Nova. De acordo com os moradores de rua do local, está sendo feita uma “higienização” na área por causa da presença dos estrangeiros que chegaram para a Copa do Mundo.
A prática teria começado em setembro do ano passado. Guardas municipais chegam em veículos descaracterizados, tiram os pertences dos moradores e os conduzem a albergues ou abrigos pernoite. Aqueles que resistem levam jato d’água e perdem o pouco que têm. Para a prefeitura de Salvador, trata-se de atendimento. “Eu chamo de pilantragem”, diz Jone, que saiu da casa da mãe “para não dar trabalho” há 19 anos. Hoje, aos 31, venceu o crack, mas ainda quer conseguir um terreno para dar alegria à mãe, Dona Maria.
Luiz Gonzaga, um dos líderes do Movimento da População de Rua de Salvador, levou a reportagem do Correio a uma das “malocas” resistentes. O lugar tem cheiro de peixe e de urina, “mas não tenha medo, não”, fala Jone. A conversa acontece em uma espécie de sala de visitas, onde antes era o banheiro e hoje é a casa de mais um homem. Eles têm eletricidade e água potável, fruto de “amigos engenheiros”. A comida, geralmente sobras do mercadão, é feita em um fogão improvisado. Os cachorros cuidam da segurança, mas até eles deixaram o local. “Eram 28, agora são seis”, mostra Jone.