O objetivo do genocídio é a submissão total de um povo a outro; é uma decisão política para quebrar o espírito de resistência dos opositores
Achille Lollo, de Roma (Itália)
Pela sexta vez, em menos de oito anos, tive de escrever uma página do jornal para relatar o massacre dos palestinos em Gaza. Um genocídio politicamente autorizado pelo governo sionista de Benjamin Netanyahu. Um crime contra a humanidade planejado pelos generais do Tzahal e executado, cada vez mais cientificamente, por 74 mil soldados e centenas de pilotos.
Enfim, um massacre que 86% daquele povo que se acha predileto e escolhido por Deus invoca, aplaudindo todos aqueles que o realizam, para depois linchar, física e verbalmente, quem denuncia e defende o direito dos palestinos em ter um Estado livre e independente.
Por outro lado, quem, minimamente critica ou questiona esse contexto sócio-político é logo censurado, estigmatizado, difamado e, sobretudo, acusado de ser um anti-semita.
E foi o que aconteceu com Gianni Vattimo, filósofo e ex-deputado da esquerda no Parlamento Europeu, que em uma entrevista condenou os sionistas pela forma bárbara com que perseguem os palestinos desde 1948, sublinhando que “o cerco mortal que o exército de Israel está realizando em Gaza é a repetição histórica do que fizeram os nazistas”.
Logo, em toda a Europa insurgiu o lobby midiático sionista para varrer Gianni Vattimo com a infamante acusação de ser um anti-semita. Somente indivíduos ignorantes, sectários e culturalmente pobres que nunca leram um livro desse filósofo puderam detrair, injustamente, Vattimo. Entretanto, no dia 27 de julho, o lobby sionista voltou a atuar contra a cantora israelense Noa, que devia realizar um show em Milão, no Teatro Manzoni. Um cancelamento feito na última hora que, na realidade, foi decidido em Tel-Aviv e implementado em Milão pela “ADEI-WIZE-Mulheres Judaicas da Itália”, com o explícito motivo de censurar e punir Noa, que – por ser uma celebridade em Israel e no mundo – havia “ousado” ir a Ramallah para se encontrar com o presidente da ANP, Abu Mazem e depois declarar aos repórteres: “Sim, encontrei o líder dos palestinos em Ramallah e creio que Abu Mazen quer mesmo a paz , porém, não posso dizer o mesmo do líder do meu país” – uma atitude que faz lembrar o “ame-o ou deixe-o” da ditadura brasileira.
Um massacre histórico
Obama e o Partido Democrata sabem muito bem que as imagens dos 1.296 civis palestinos, na maioria crianças, adolescentes e mulheres, assassinados em Gaza pelos jatos e tanques do exército sionista, bem como os 7 mil feridos terão um peso determinante na escolha do próximo candidato à presidência dos EUA.
Por isso, Obama virou um presidente bicéfalo. Quando está fechado na Casa Branca, declara que Israel tem todo o direito a se defender, repassando-lhe 1,6 bilhão de dólares para comprar da indústria militar dos EUA jatos, navios, foguetes e bombas de todo tipo. Depois, quando se encontra com os jornalistas, fala como um marciano que, pela primeira vez, descobre que na terra há um conflito em um território chamado Gaza, onde é preciso uma trégua além de abrandar as operações para socorrer os civis.
O cinismo de Obama, mas também de François Hollande, Angela Merkel, Nick Cameron e do próprio presidente italiano, Giorgio Napolitano, é tão seleto, tão bem dissimulado que muitos acreditam que os apelos para uma trégua humanitária de 8 horas sejam verdadeiros apelos para a paz.
Na realidade, todos eles querem que o exército do governo sionista seja menos açougueiro e mais cirurgião. Todos eles esperam que Israel consiga quebrar o Hamas, porque esse é o último sustentáculo da luta de resistência do povo palestino.
Se o Hamas for derrotado, com a consequente desmilitarização e monitoramento internacional-sionista das atividades políticas na Faixa de Gaza, todo o povo palestino ficará definitivamente desbaratado e vencido. Pois, nos últimos dez anos, o Estado de Israel conseguiu aprisionar o povo palestino limitando a representação política da chamada ANP (Autoridade Nacional Palestina) em territórios, praticamente separados e fechados pelo Muro da Vergonha e por corredores rodoviários municiados pelo exército sionista.
Acordos de Oslo
Por outro lado, os governos ocidentais e também os árabes ficaram calados diante da contínua ocupação de terras palestinas para construir colônias e condomínios judaicos – um projeto financiado por transnacionais e bancos europeus e estadunidenses que, gradualmente, desarticulam e desintegram a única vitória de Yasser Arafat nos Acordos de Oslo, isto é: a esperança de construir um Estado palestino independente.
Hoje, a esperança de poder, finalmente, realizar o projeto político “Dois Estados para Dois Povos”, com a criação do Estado da Palestina, livre e independente, ao lado do Estado de Israel praticamente morreu com a operação militar “Protective Edge”, na qual prevaleceu a sistematização do massacre e a lógica do extermínio, nos moldes do que dizia Karl Von Clausewitz “A guerra nada mais é que a continuação da política por outros meios”.
Porém, é preciso sublinhar que o governo sionista não foi o único responsável desse crime histórico. Benjamin Netanyahu e Shimon Peres, hoje, são apenas os coveiros de um processo histórico repleto de finalidades ambíguas e oportunistas, já que os Acordos de Oslo, em 1993, foram também a solução que a Casa Branca encontrou para engavetar as reivindicações de Arafat e permitir a Tel Aviv controlar a primeira Intifada, que explodiu, em 1987, como um grande levante popular do povo palestino. Levante que tinha referências políticas específicas ditadas pelas organizações revolucionárias (Al-Fatah, FPLP, FDLP) que, por isso, foram massivamente reprimidas pelo exército sionista.
De fato, o aprisionamento da maior parte dos dirigentes e militantes dessas organizações foi também uma contribuição política da burguesia palestina que, em troca, ganhou o direito de enriquecer fazendo grandes negócios com a indústria israelense graças aos planos de ajuda internacional para a reconstrução das cidades da Cisjordânia.
Por exemplo, após o assassinato, por agentes sionistas do Mossad, do então secretário-geral da FPLP, Abu Ali Mustafá (que substituiu George Habash, um dos fundadores da FPLP), o governo sionista exigiu, em 2002, que a polícia da ANP prendesse em Gaza Ahmad Sa’adat, o novo secretário-geral da Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP). Ahmad Sa’adat foi preso e depois entregue aos tribunais israelenses que o condenaram a 30 anos de isolamento, finalizando, assim, o processo de decapitação política das organizações revolucionárias e marxistas palestinas.
O papel do Hamas
Se organizações como Al-Fatah, FPLP, FDLP, CG-FLP nasceram para derrotar o Estado de Israel, o Hamas virou opositor de Israel por efeito da conjuntura política. De fato, o Hamas foi criado em 1987 pelos xeques Ahmed Yassim, Mohammad Taha e Abdel Aziz al-Rantissi, que representavam a ala palestina na Irmandade Muçulmana do Egito, oficialmente reconhecida em Israel. A Arábia Saudita financiou o projeto dos três xeques para, inicialmente, desenvolver uma ampla assistência social, a construção de mesquitas e uma intensa ação comunitária na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
O partido político do Hamas apareceu somente depois da primeira Intifada, para depois, em 2006, assumir uma dimensão nacional derrotando o Al-Fatah nas eleições para o Parlamento Palestino, para o governo da Faixa de Gaza e das cidades de Nablus e Qalqilyah. Em 2007, os combates para expulsar o Al-Fatah de Gaza determinaram a afirmação do braço militar do Hamas, denominado Brigadas Izz ad-Din al-Qassam. Começava, então, para o Hamas uma nova perspectiva política e militar, virada para o enfrentamento direto com Estado sionista e para criar um Estado muçulmano palestino. Uma tese que, em 1988, era vagamente mencionada na Carta de Princípios do Hamas.
Para o governo sionista, a atividade beneficente do Hamas continua sendo a fachada artificial de uma organização fundamentalista, voltada para mobilizar e transformar os jovens palestinos em terroristas. Na realidade, a popularidade do Hamas é uma consequência dos erros do grupo político majoritário do Al-Fatah, ligado a Yasser Arafat, e da conduta corrupta da burguesia palestina, cujo candidato à sucessão de Arafat foi o inexpressivo Abu Mazen.
Por isso, nessas condições específicas e com o Estado de Israel que aumentava a repressão e o latrocínio das terras, o Hamas se tornou o símbolo da resistência para a maioria dos palestinos. Um sentimento que, inevitavelmente, concretizou-se em pouco tempo, também, graças às ações violentas praticadas pelos colonos e, sobretudo, pelo exército sionista nas inúmeras tentativas de subjugar e expulsar o Hamas de Gaza.
Podemos, portanto, dizer que em Gaza se fechou o ciclo político do Al-Fatah, a partir do qual a luta do povo palestino assumiu uma nova dimensão, determinada por um novo ciclo que as três vertentes políticas do Hamas decidiram assumir diante da arrogância expansionista do Estado sionista.
Responsabilidades da ONU
Quando em julho de 2001, em entrevista a uma rádio, o falecido ministro do Turismo de Israel, Rehavam Ze’evi, líder da extrema-direita sionista, manifestou-se publicamente a favor da limpeza étnica dos palestinos, afirmando: “Nós devemos nos livrar daqueles que não são cidadãos israelenses como quem se livra de um câncer”, a ONU, e em particular o Conselho de Segurança, deveria ter tomado uma drástica posição, porque aquelas declarações, proferidas publicamente por um membro do governo israelense, na realidade, revelavam como a política da impunidade havia transfigurado os ideais do sionismo.
No Conselho de Segurança daqueles anos, ninguém quis entender que as palavras de Ze’evi não eram apenas slogans de um extremista direitista. Lamentavelmente, a partir desse período, os conceitos de limpeza étnica e de separação territorial começaram a ganhar o coração e as mentes da maioria dos cidadãos do Estado de Israel.
Mesmo assim e apesar do que tinha acontecido em Beirute e no sul do Líbano, o Conselho de Segurança nunca cautelou o povo palestino com uma resolução efetiva e capaz de garantir com autoridade a paz e a convivência entre o povo judeu e o palestino. Um Conselho de Segurança que, também, nunca pensou que os palestinos tivessem direito a ter um próprio Estado, já que os interesses geoestratégicos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da França sempre justificaram o veto político, enquanto as poucas resoluções que saíram em favor do povo palestino, na realidade, nunca foram implementadas.
Hoje, a patética aparição do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon evidencia, ainda mais, a incapacidade estrutural das Nações Unidas de ser, efetivamente, a entidade mundial que tem uma reconhecida autoridade política e moral apta a se colocar acima dos interesses dos governos. Por outro lado, a continuação de um massacre realizado por um exército considerado um dos mais fortes e bem equipado do mundo demonstra quanto é inútil um Conselho de Segurança que é eficaz em defender, sobretudo, os interesses geoestratégicos das grandes potências imperiais, porém, incapaz de garantir a paz, a convivência e a segurança a todo o mundo.