
MANAUS – Mais uma vez as águas do rio Negro ‘invadem’ a frente de Manaus e alagam cidades do interior da Amazônia fazendo com que as pessoas fiquem a aguardar por um novo recorde de cheia. Mas o superintendente da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), geólogo Marco Antonio de Oliveira, diz que a cheia continua, porém, deve parar nos próximos dias. Oliveira também revelou porquê os rios enchem e vazam e até sobre o futuro hídrico da região.
Jornal do Commercio – Em algumas entrevistas você falou que as enchentes (e as vazantes) na Amazônia são cíclicas, 20 anos, mas parece que isso está mudando. Tivemos uma grande em 2009 e outra maior, em 2012.
Marco Antonio de Oliveira – As cheias e vazantes na Amazônia tem sido monitoradas a partir dos dados dos níveis do rio Negro, registrados no Porto de Manaus desde 1902. Assim, temos uma série histórica de mais de 100 anos que possibilita estabelecer a recorrência ou retorno das cheias. Deste modo, a cheia de 2012 (recorde) é considerada como um evento que ocorre a cada 100 anos, a cheia de 2009 (a segunda maior) tem recorrência de 50 anos e a cheia de 1953 (a terceira maior) 25 anos de recorrência.
Nesta lógica as grandes cheias, que superam os 29 metros, ocorrem a cada dez anos. Como a série histórica do Porto de Manaus permite apenas correlacionar o que ocorreu no intervalo de pouco mais de 100 anos, ficam fora desta análise os eventos extremos de cheia ou vazante que ocorreram no passado mais longínquo, de 1 milhão à 10 mil anos atrás. Portanto, as cheias com recorrência de mil anos, por exemplo, podem voltar a acontecer no presente. Por outro lado no período que antecede uma mudança de estação do inverno para o verão (ou vice-versa), ocorre uma instabilidade no clima que provoca tempestades extremas. O mesmo se aplica na história climática da Terra, quando há uma mudança na temperatura global do planeta e há ocorrência de eventos extremos de chuvas, nevascas e secas.
Algumas pessoas acham que quando caem chuvas torrenciais em Manaus, as águas dos rios vão subir, mas não é bem assim. Essas chuvas precisam cair nas cabeceiras dos rios, não é isso?
MAO – As chuvas torrenciais em Manaus contribuem para a rápida subida das águas dos igarapés da região, mas pouco se refletem no nível da águas do rio Negro cuja bacia hidrográfica abrange perto de 1 milhão de km2 e assim reage lentamente às chuvas.
Por que os rios enchem, ou vazam? Isso tem alguma importância para a natureza?
MAO – O regime de cheias e vazantes depende essencialmente das chuvas ou da falta delas, e o modo como esta água circula sobre o terreno até chegar ao oceano Atlântico, está condicionado ao relevo, à cobertura florestal e à geologia. As chuvas na Amazônia provêm da evaporação das águas do oceano Atlântico, que adentram o continente sul americano ao longo do rio Amazonas, empurradas pelos ventos que sopram de leste para oeste. Esta massa de ar úmido interage com a floresta, mas quando atinge o extremo oeste do continente encontra uma barreira física, dada pela Cordilheira dos Andes, e toda a umidade é descarregada na forma de chuvas sobre as montanhas
do fronte oriental dos Andes. Elas que irão alimentar as nascentes do rio Amazonas. Na falta de chuvas, durante o verão amazônico (junho a outubro), o nível dos rios desce e se mantém perene devido a contribuição das águas subterrâneas, armazenadas sob o solo, durante milhares de anos.
Com quanto tempo é possível se prever se haverá, ou não, uma grande cheia ou uma grande vazante nos rios do Amazonas?
MAO – Para as cheias do Negro/Solimões/Amazonas é possível realizar uma previsão com 75 dias de antecedência, com probabilidade de acerto de 70%. Já para a vazante o comportamento hidrológico é mais instável e permite uma previsão de 10 dias de antecedência, com acerto de 50%.
Essas cheias e vazantes acontecem ao mesmo tempo em todos os rios da região? Tecnicamente, como é que vocês fazem essas medições?
MAO – As cheias e vazantes ocorrem em tempo e espaços diferentes nesta dimensão continental da Amazônia, que abrange dois hemisférios. Os primeiros rios a encher são os da margem direita do rio Amazonas, com os os rios Javari, Juruá, Purus e Madeira, cujo pico da cheia ocorre entre fevereiro a abril. No rio Solimões, Amazonas e no Negro, em Manaus, a cheia ocorre no mês de junho. As medições são feitas a partir de estações hidrológicas localizadas nas principais calhas dos rios. Nas quais medidas do nível da água e da chuva são coletadas diariamente, seja de forma manual, ou automática via satélite. A cada mês obtemos dados diretos das vazões dos rios Solimões (Itapeua e Manacapuru), Negro (Manaus), Amazonas (Itacoatiara) e Madeira.
Como você vê o futuro hídrico da Amazônia, com o homem cada vez mais habitando a região e destruindo tudo à sua volta? Até a água do subsolo de Manaus está se exaurindo.
MAO – O cenário hídrico da região é promissor. A escassez de água não é mais uma projeção futura, já ocorre em outras regiões do Brasil, como no Nordeste e Sudeste, acarretando em diminuição na qualidade de vida e com fortes impactos na economia. Não há processo industrial e agrícola que não necessite de água em grande escala. Vejamos o exemplo de São Paulo, uma metrópole que vive uma crise de escassez de água sem precedentes, com aspectos conjunturais (falta de chuva) e estruturais (falta de investimentos, pouca oferta e alta demanda), que pode se tornar frequente diante das mudanças no clima da Terra. Por isso, a Amazônia é o futuro com água. Aqui não há escassez de água, há má gestão dos recursos hídricos no tocante a qualidade da água oferecida a população amazonense.
E esse ano, com as águas já bem altas, qual é o prognóstico?
MAO – O prognóstico é de continuidade da cheia pelos próximos dias, porém com indicativo de final de cheia e elevação lenta das águas (ao redor de 1-2 cm/dia).