GGN | LUCIANO MARTINS COSTA
do Observatório da Imprensa
IMPRENSA & JORNALISMO
O discurso maniqueísta, por Luciano Martins Costa
Da primeira à última página de jornais e revistas, do primeiro ao último minuto que o telespectador, ouvinte ou usuário dedica à televisão, ao rádio e à internet, praticamente todo tempo e todo espaço ocupado pelo sistema de informações é recortado por narrativas simplistas nas quais se pode identificar facilmente a presença dessa visão primária da realidade. O viés que domina o noticiário predominante na mídia tradicional, muito mais claro nos assuntos de política e economia, é a manifestação mais escancarada dessa deficiência.
Pode-se argumentar que o contexto produtor de informações – a frágil democracia brasileira, ainda contaminada por sequelas do autoritarismo – condiciona, na origem, o processo comunicacional. De fato, há uma relação inevitável entre a imprensa e o ambiente em que ela se desenvolve, mas o que se espera do jornalismo é justamente que seja capaz de expor a complexidade de seu tempo com uma visão de futuro, e não que tente determinar o futuro com base num olhar passadista.
Alguns analistas têm eventualmente abordado essa relação, mas o viés dominante na mídia dá mais visibilidade à opinião conservadora, quando não abertamente reacionária, o que impõe ao ambiente midiático essa tonalidade monocromática. No entanto, mesmo uma opinião comprometida com o reducionismo maniqueísta pode contribuir para a compreensão dessa deficiência básica da imprensa nacional, como se pode observar, por exemplo, em artigo publicado sexta-feira (23/1) pelo jornalista Fernão Lara Mesquita noEstado de S. Paulo e no seu blog Vespeiro.com (ver aqui).
Reflexões como essa são raras nos jornais brasileiros, porque a imprensa não se pensa. Eventualmente, porém, essas manifestações são mais esclarecedoras pelo que não dizem do que pelas afirmações que fazem.
Non duco, ducor
Essencialmente, Mesquita afirma que o regime em que vivemos não é uma democracia, e que a democracia leva a culpa de tudo de mal que acontece no Brasil. Na sua opinião, ao enfatizar os pecados dos políticos, a imprensa demoniza a política porque se restringe a uma crítica “moral” do sistema e se mostra incapaz de uma crítica “técnica e propositiva” das instituições.
A causa dessa deficiência, na sua opinião, é a “terceirização da orientação política” da cobertura do jornal para o segundo escalão, o que condena o órgão de imprensa a ser conduzido por suas fontes – “em vez de conduzir seus leitores”, diz o autor.
Deve-se dizer, do maniqueísmo, que, quanto mais elaborado for o discurso, mais evidente fica o propósito de reduzir as possibilidades de interpretação, pois a intenção não é ampliar a diversidade de ideias, mas conduzir todas para um mesmo funil. Aliás, a intenção maniqueísta do texto em questão é confessada no ato falho de Mesquita, ao considerar explicitamente que a função do jornal é “conduzir seus leitores”.
Mas façam os observadores suas próprias conjecturas ao ler o texto citado, que se usa aqui apenas como exemplo de como, mesmo quando se dispõe a refletir sobre seus fundamentos éticos, a imprensa encontra uma barreira que não consegue transpor. Ela pode ser definida pela pretensão confessada por Mesquita: a de que o jornalismo é o “condutor” da cidadania.
Esse é, exatamente, o ponto original do debate: ao considerar que sua missão é guiar a sociedade, os pensadores da imprensa confessam o caráter autoritário e manipulador de sua atividade.
O maniqueísmo é a manifestação mais honesta desse discurso camuflado, que mal dissimula seu grande temor: o problema, para os donos da mídia, não é haver terceirizado a orientação política de seus jornais, porque seus prepostos são geralmente mais realistas que o rei. O que os assombra é a mudança na função de mediar o contato dos indivíduos com a realidade, e a crescente percepção de que o mundo sempre vai precisar do jornalismo, mas não necessariamente daquilo que chamamos de imprensa.