Formigas viram ingredientes refinados na gastronomia da Amazônia

Chefs de cozinha e indígenas utilizam formigas amazônicas em receitas reconhecidas internacionalmente

Portal Amazônia

Prato servido no restaurante Dom, do chef Alex Atala. Foto: Reprodução/Restaurante Dom

MANAUS  Vai uma formiga crocante e apimentada? Estes insetos provocam sensação de mal-estar em você? Saiba que formigas estão em várias dietas regionais e nacionais. São consideradas iguarias refinadas e saborosas por indígenas e apreciadores da culinária exótica. Elas podem ser combinadas com peixe assado, farofa, caldos, doces e muitos outros pratos.

No município de São Gabriel da Cachoeira, no externo Noroeste do Amazonas, chefs de cozinha e indígenas ganham destaque mundial ao usar formigas em pratos brasileiros e em receitas tipicamente amazônicas.

A tradição dos indígenas e descendentes da etnia Baniwa (maior parte dos habitantes de São Gabriel da Cachoeira) é comer formigas torradas ou piladas, sem cozimento prévio. Entre as espécies mais apreciadas na cidade está a maniwara. Ela é facilmente encontrada em feiras e mercados da região.

A forma de preparo do inseto varia. Os indígenas retiram a cabeça da formiga e comem o restante com biju (tapioca de origem indígena) ou colocam em um caldo de peixe chamado quinhapira.

Formiga Maniwara. Foto: Divulgação/Andre Baniwa

Com valor de mercado mais elevado, a formiga saúva também é ingrediente indispensável para fãs deste tipo de prato. Adicionada ao molho de tucupi preto, a saúva acrescenta sabor picante à receita. “A formiga é colocada no alimento geralmente para transmitir um gosto ácido”, explicou o presidente da Associação Indígena da Bacia do Içana (OIBI), Andre Baniwa.

Ele revelou à reportagem do Portal Amazônia que os insetos são capturados direto do formigueiro. O reconhecimento das distintas espécies é feito a partir da sua cor do animal e do ambiente onde elas vivem. “Os índios colocam um galho no fundo do formigueiro para coletar as saúvas. A maniwara fica na terra firme; ela tem uma coloração caramelada. A saúva é menor que a maniawara, tem coloração esverdeada, preta e roxa. Geralmente ela habita terrenos utilizados para agricultura”, contou Baniwa.

Prato premiado

O sabor inigualável das formigas do alto rio Negro, que lembram o gosto de gengibre e eucalipto,  já ultrapassou fronteiras e deu visibilidade mundial e prêmios a chefs de cozinha. É o caso de Salomão de Aquino, mais conhecido como Conde Aquino. Em 2009 ele chamou atenção de seus pares ao apresentar o prato Ralo Baniwa. Trata-se de um filé de piraíba (peixe) grosso feito com uma crosta de farinha de castanha-do-brasil, combinado com pimentas de cheiro e murupi.

“A piraíba é grelhada na chapa. O prato acompanha purê de banana pacovã com araçá e queijo cremoso; depois é finalizado com tucupi preto e formiga saúva”, detalhou o Conde Aquino, que também oferece farofa de pupunha com formiga maniawara em seu restaurante.

Ralo Baniwa acompanha purê de banana verde araçá e queijo cremoso. Foto: Divulgação/ Conde Aquino.

Segundo Aquino, o sabor das formigas é surpreendente. “O uso de formiga saúva tem uma concentração de ácido que dá uma sensação de gengibre e eucalipto. Quando ela [a formiga] está viva exala um cheiro de capim limão e capim santo. [Ralo Baniwa] É um prato exótico e foi premiado no Comida Brasil. As formigas oferecem um paladar surpreendente e os turistas têm muita uma curiosidade de saber como se come um prato com formiga”.

chef contou, ainda, que o nome da receita foi inspirado em um objeto utilizado por indígenas para ralar mandioca. “A etnia Baniwa tem um acabamento mais interessante e isso me chamou a atenção. Por isso, eu coloquei o nome do prato de Ralo Baniwa, que é um instrumento indígena, um tipo de ralador”.

Dona Brazi encantou chefs renomados e viajou o mundo. Foto: Reprodução/Facebook Dona Brazi

Reconhecimento

A cozinheira amazonense Dona Brazi, como é conhecida, prefere usar a saúva em suas receitas. Ela, que é de origem baré, aprendeu com sua mãe, que aprendeu com a avó os mistérios do preparo da iguaria. “É coisa de família. Antes faziam [a formiga] de um jeito e com o tempo foi se modificando. A formiga agora é em pó. É crocante”, disse ela em tom de brincadeira.

Dona Brazi encantou chefs renomados e viajou o mundo. Fez sucesso na Itália com a iguaria e ainda é autora do livro ‘Cozinha Tradicional Amazônica’, que tem o prefácio de Alex Atala, top tenda cozinha brasileira.

Atala e o francês Pascal Barbot foram à casa de Dona Brazi, onde funciona um restaurante, provar suas especialidades feitas com formiga saúva: vinagrete, caldeirada de peixe, quinhapira e manjar de tapioca. “As celebridades sempre jantam aqui em casa. Já recebi Gilberto Gil, embaixadores, oschefs de cozinha Alex Atala e Pascal Barbot, da França. Eles adoram as formigas. O vinagrete daqui ninguém consegue deixa de comer”, contou a cozinheira cheia de orgulho de seu trabalho.

Farofa de formiga. Foto: Reprodução/Rede Amazônica

Benefícios da formiga

Em algum momento da vida você deve ter escutado que formiga faz bem para a visão. Ainda não há comprovações científicas sobre o assunto, mas segundo um relatório publicado em 2013 pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) recomenda comer insetos. Um dos motivos é que eles são ricos em proteínas. As formigas, por exemplo, têm 47% de proteína em sua composição biológica.

Segundo André Baniwa, o efeito da formiga sobre a saúde humana ainda é estudado. “A formiga ainda está em processo de análise. Parece não ser boa para quem tem diabete”, alertou. “Mas ainda estão estudando”.

Os pratos e receitas citados nesta matéria são encontrados no Restaurante La Cave du Conde, localizado  na Rua Brigadeiro Eduardo Gomes, nº. 444 (telefone 97-3471-1738); e no restaurante Casa de Dona Brazi, na Rua Marechal Rondon, nº. 34 (telefone 97-3471-1843). Ambos os endereços são em São Gabriel da Cachoeira, no interior do Amazonas.

Vinagrete de saúva e quinhapira. Foto: Reprodução/Facebook Dona Brazi

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